quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Concreto

E junto às pareces, do mais gélido concreto, Maroca andava e respirava aquele ar poluído. E por instantes pensava quão gélido era seu coração. Talvez por isso sentia aquele arranha céu como seu irmão.
E então saiu a caminhar, para falar com ele e ver o que afinal fez com que ficassem daquele jeito.
Ao parar na primeira esquina, do prédio mais alto e frio que encontrou ela sentou, olhou bem pra ele e perguntou.
Mas afinal, o que nos torna isso?
O vento bateu forte e o prédio não caiu, veio a chuva, cheia de raios e ele permanecia lá, tal qual quando há sol.
Triste por não ter resposta Maroca seguiu.
Seguiu, triste, chorando e pensativa.

Andou mais três quadras e achou um prédio maior ainda.
Encostou seu rosto nele, beijou aquela parece. A frieza era tremenda, nem sua saliva quente mudou o aspecto daquele pequeno pedaço de concreto ao qual encostou.
Sua língua ficou com gosto de poeira e em seguida ela pôde mastigar algo parecido com grãos de areia.

Seus iguais falavam e ela não entendia.

Ela foi andando, e encontrou uma grama, se sentou nela, permanecia triste, chorosa e sabia que ao menos aqueles prédios eram inflexíveis e resistentes.

Ela deitou na grama e começou a catar as estrelas do céu. Em seguida a grama lhe abraçou e ela ficou tão grande, maiores que os prédios que viu, e assim pode encostar o céu e engolir estrelas.

Quando engoliu estrelas ela chorou mas não de tristeza e sim por ver que os prédios são grandes e fortes, mas a terra, essa sim, era mais forte que qualquer partícula de concreto sobreposta.

E ela seguiu, semi-triste, cheia de estrelas em seu estômago.
Para além do concreto há o infinito e pra isso basta seguir em frente.
Porque descer é fácil mas pra subir há que se ter paciência.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Código de ética

Não era essa a regra.
Era pra teres medo do amor
Era pra deixares meu coração gelado
Era pra me usares

Não era essa a regra
Não devias saber seduzir
Nem ser assim, sedutor por natureza

Não era essa a regra
Nossos encontros não deveriam resultar em dor no peito
Nem em pensamentos obsessivos

Não era essa a regra
Teus olhos não poderiam brilhar
Os meus então
nem se fala

Nossos corpos deveriam ficar mudos

Não deveríamos nos olhar assim
Não era essa a regra

Eu não deveria suspirar fundo só de lembrar de ti
Eu deveria não te dar bola
Essa era a regra

Deveria estar fácil dormir
Deveria estar fácil chorar
Deveria estar tudo cinza


seu destruidor de regras!

Portela

O cheiro de suor e o hálito de cerveja não lhe importavam, enquanto tocava o samba, e ele a conduzia, se sentiu no paraíso.
Não, seu par não era um galã
Estava caracterizado como o brincalhão da festa
Tinha uma pança que roçava na sua
Não se enquadrava a uma cena novelesca
Mas tinha a ginga.
Entrou o ano gingando e conduzia como ninguém.
Cecília se sentiu no alto do morro, na roda de samba.
Ela estava numa subida, mas não era o alto do morro e a roda de samba era representada por um pequeno amplificador, nesse estava acoplado o pen drive com os melhores sambas daquelas cinco horas corridas.

Entrou o ano cheia de poesia
Seus pés escreviam palavras no chão, depois ficaram uns minutos pra cima
Os pés mortos a tantos anos não estavam mais acostumados com essa rotina prazerosa
Cansaram de prazer, mas logo restabeleceram a vida.

A comida era farta e o sorriso também,
Entrou o ano vendo tanta vida que viver foi o que lhe restou
Não teve escolha
Só pode gargalhar
Tanto, que as bochechas até doeram

Por um instante se desmaterializou
Não acreditou na escravidão do corpo
Desconsiderou sua pança
Desconsiderou sua auto-estima baixa
Sorriu para as fotos mesmo sabendo que se sente feia assim

Não era o belo físico que lhe interessava
Sua alma transbordava
A alma gritava, sorria, sambava
Não via seus olhos, mas sabia que neles reluzia diamantes

Teve certeza que estava em seu lugar

Lá os pratos eram de plástico, tudo para evitar o trabalho árduo
Logo o prato virou pandeiro, valia qualquer coisa para acompanhar a"roda"

Além da alegria, a comida também era farta,
foi convidada e não precisou levar nada
Os doces foram feitos pela Nona

O pudim, categoria ouro, derreteu em sua boca como um beijo proibido
Logo se tornou um beijo roubado
Seguido de um beijo pedido

Era tanto prazer, que seu olhar uma hora parou,
Os pensamentos quiseram assumir a cena
Não conseguiram
Passou alguém
Cecília não sabe o nome, era muito gente, uma família grande

Então, mais uma vez, veio o homem
Estendeu a mão e conduziu Cecília para aquele estranho e maravilhoso lugar onde quem leva a dança não é ela.
Continuou sorrindo e cantou o samba

"Se um dia
Meu coração for consultado
Para saber se andou errado
Será difícil negar
Meu coração
Tem mania de amor
Amor não é fácil de achar
A marca dos meus desenganos
Ficou, ficou
Só um amor pode apagar
A marca dos meus desenganos
Ficou, ficou
Só um amor pode apagar...

Porém! Ai porém!
Há um caso diferente
Que marcou num breve tempo
Meu coração para sempre
Era dia de Carnaval
Carregava uma tristeza
Não pensava em novo amor
Quando alguém
Que não me lembro anunciou
Portela, Portela
O samba trazendo alvorada
Meu coração conquistou...

Ah! Minha Portela!
Quando vi você passar
Senti meu coração apressado
Todo o meu corpo tomado
Minha alegria voltar
Não posso definir
Aquele azul
Não era do céu
Nem era do mar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar! (Paulinho da Viola)"

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Eu estou com um rombo.
Aqueles buracos enormes que insistem em não fechar, independente do tempo.
O machado atingiu bem aqui no peito.
E eu estou parada esperando. Não me movimento muito, vá que perca todo o meu sangue e morra. 
Fico parada esperando o tempo. É uma dor que não passa. Uma tristeza sem fim. Sou só. Só buraco.
O buraco me engoliu por inteira e estou sem ar, sem visão e sem raciocínio. Sou dor, dor e dor.
Perdi tudo. Meus batimentos estão se indo. E eu? 
Eu espero o tempo. Um milagre. Pode ser um médico ou um mágico.
Espero deus, não tenho cura.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Porto Alegre

Essa coisa de viver em ciclos, ainda vai me deixar sem ninguém!

Minha vida se redefine a cada dois ou três anos, esses são meu ciclos.
Agora em um novo momento, mais um vez no recomeço.

Agora eu vou procurar aquele grupo de teatro que eu adiei porque pensei que voltaria.
Agora vou procurar o pessoal do treino de corrida, porque pensei que voltaria.
Agora vou comprar umas alpargatas, porque pensei que não precisaria.
Agora vou gastar menos dinheiros, porque pensei que gastaria.
Agora vou andar mais na rua, porque pensei que era tristeza.
Agora vou quebrar as paredes, porque pensei que jamais sorriria.
Agora vou olhar nos olhos, porque pensei que eram ocos.
Agora vou respirar fundo e celebrar a vida, porque pensei que era morte.

Agora vou buscar família
Agora vou achar abraço
Agora vou transpor o espaço
porque agora sou afeto desinibido

Agora vou ter amigos
Porque agora é aqui que vivo.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Ainda não tem título

Já estou com minha senha, estou aqui parada, olhando ao redor, é tudo cinza e amarelo. As mesas são de fórmica, cinzas, com detalhes em amarelo, também tem vidros enfumaçados para que assim o cliente não veja a cara de que lhe atende. Grande bosta, eles nem acertam meu nome, de que me serve ser vista por essa gente? De um lado ficam as escrivaninhas e do meio do salão até a outra parede ficam as cadeiras, bem no meio tem um pilar, ali tem um aparelho que mostra a senha. Estou sentada a meia hora e minha senha é a 50, está na 45. Olha que eu sou preferencial hein, acho que nem essas senhas pra velhos funcionam, eu sempre espero o mesmo tempo. Espero a seco, porque aqui ninguém me dá nada, só me tiram, esses filhos da puta. O outro dia veio um querer me vender um seguro de vida, e eu disse que não, mas afinal, pra que me serve um seguro de vida se quando eu morrer não vou ficar com o dinheiro? Rá, inventam cada coisa, que eu rio por dentro, rio pra não esbofetear um. Juro que se tivesse músculos eu dava um soco, bem na fuça do primeiro imbecil que viesse me fazer uma proposta dessas de seguro, eu quebrava a cara dele todinha, arrancava os olhos e comeria mais tarde com molho e macarrão. Mas não dá, meu corpo tá todo caído e músculos eu nunca tive.
Ah, lembrei agora, lembrei de quando eu abri minha primeira conta no Banco do Brasil, era tudo tão diferente. Primeiro que eu era bonita, eu tinha uns peitos duros que fazia chover. Eu entrava no banco e o gerente já biscava, eu como sempre fui puta, retribuía é claro, ainda mais que era o gerente, eu sempre ganhei muita coisa só pela piscadinha.
Tinha também a Gorete, ela era da limpeza, ficava numa alegria de me ver. Sempre fui mulher independente, quem cuidava da conta da família era eu, até porque o Cesar me deixou com os dois filhos pra criar e foi correr mundo, ou eu cuidava ou me fudia, no fim aconteceu os dois, cuidei de tudo e me fudi junto. Uma fudida de peito duro, até que valeu a pena. Melhor que aguentar ver o Carlos ficar broxa, foi melhor assim.
A Gorete, eu colocava o pé na porta e ela vinha com um cafezinho. Agora fiquei pensando, será que ela gostava de mim ou o gerente que mandava o café? Nunca tinha pensado nisso, sempre acreditei que ela me achava simpática e por isso fazia o que fazia, ela também podia ser machorra. Nossa eu me considerava puta e essas coisas nunca tinham me passado pela cabeça, to vendo que puta eu sou agora. Mas de que adianta, agora?! Ah, desgraça esse tempo, não passa nunca e minha senha nada.
Puta, puta mesmo eu nunca fui, mas na minha época, piscar pra rapaz já era putaria, fui chamada de puta pela minha mãe sem nunca ter trepado, desde novinha já me chamavam de puta na família. Primeiro fiquei triste, mas depois eu descobri as vantagens do apelido. Agora eu me intitulo sem nunca nem ter tido outro homem além do Cesar, criei dois filhos, mas se tenho peito sou puta! Vai entender?!
Chamaram minha senha, finalmente.
O gerente, mal olha pra mim, tá vidrado na tela do computador, pediu meu CPF, mostrei o papel pra ele porque nunca fui boa de decorar números. Ele agora tá engasgando com meu nome e eu já repeti três vezes Silvia Salsa Silva, maldito dia que minha mãe escolheu o nome de Silvia, já não bastava os outros ésses do nome? Se minha mãe fosse viva eu juro que matava aquela vadia. Primeiro me encheu de S, depois me apelidou de puta, e eu carrego tudo até hoje. O cachão é o lugar dela, velha desgraçada. Quando eu morrer não quero que me enterrem perto dela. Já avisei a Paulinha e o Ricardo, lá na Vila Mariana eu não quero ser enterrada, se puderem me enterrem em Curitiba, porque eu mereço cidade boa, me enterrem e nem precisa ir lá me visitar, até porque não vou poder conversar com vocês, não que eu goste de conversar, odeio interagir, mas viajar de Santa Catarina até o Paraná e nem bater um papinho, me enterra lá e me esquece por lá.
A Paulinha chora, sempre foi chorona. Maldito dia que tive essa pirralha, não cresceu nunca. O Ricardo não tá nem aí, ele quer é meu apartamento o desgraçado, puxou ao pai. Garanto que vai ter os filhos e deixar por aí.
- É Silvia Salsa Silva.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Saudade

A poesia morreu
declinou em minha memória

A poesia não vem
bateu a porta na minha cara

Ah, poesia desgraçada!
nem quando mais preciso te disfarças

Se eu pudesse eu te escreveria
Te mastigaria e te engoliria
E então te sentiria
te deglutiria e te expulsaria.

A poesia foi embora
não deixou nem endereço de chegada

Ah, poesia desgraçada!