Já estou com minha senha, estou aqui parada, olhando ao redor, é tudo cinza e amarelo. As mesas são de fórmica, cinzas, com detalhes em amarelo, também tem vidros enfumaçados para que assim o cliente não veja a cara de que lhe atende. Grande bosta, eles nem acertam meu nome, de que me serve ser vista por essa gente? De um lado ficam as escrivaninhas e do meio do salão até a outra parede ficam as cadeiras, bem no meio tem um pilar, ali tem um aparelho que mostra a senha. Estou sentada a meia hora e minha senha é a 50, está na 45. Olha que eu sou preferencial hein, acho que nem essas senhas pra velhos funcionam, eu sempre espero o mesmo tempo. Espero a seco, porque aqui ninguém me dá nada, só me tiram, esses filhos da puta. O outro dia veio um querer me vender um seguro de vida, e eu disse que não, mas afinal, pra que me serve um seguro de vida se quando eu morrer não vou ficar com o dinheiro? Rá, inventam cada coisa, que eu rio por dentro, rio pra não esbofetear um. Juro que se tivesse músculos eu dava um soco, bem na fuça do primeiro imbecil que viesse me fazer uma proposta dessas de seguro, eu quebrava a cara dele todinha, arrancava os olhos e comeria mais tarde com molho e macarrão. Mas não dá, meu corpo tá todo caído e músculos eu nunca tive.
Ah, lembrei agora, lembrei de quando eu abri minha primeira conta no Banco do Brasil, era tudo tão diferente. Primeiro que eu era bonita, eu tinha uns peitos duros que fazia chover. Eu entrava no banco e o gerente já biscava, eu como sempre fui puta, retribuía é claro, ainda mais que era o gerente, eu sempre ganhei muita coisa só pela piscadinha.
Tinha também a Gorete, ela era da limpeza, ficava numa alegria de me ver. Sempre fui mulher independente, quem cuidava da conta da família era eu, até porque o Cesar me deixou com os dois filhos pra criar e foi correr mundo, ou eu cuidava ou me fudia, no fim aconteceu os dois, cuidei de tudo e me fudi junto. Uma fudida de peito duro, até que valeu a pena. Melhor que aguentar ver o Carlos ficar broxa, foi melhor assim.
A Gorete, eu colocava o pé na porta e ela vinha com um cafezinho. Agora fiquei pensando, será que ela gostava de mim ou o gerente que mandava o café? Nunca tinha pensado nisso, sempre acreditei que ela me achava simpática e por isso fazia o que fazia, ela também podia ser machorra. Nossa eu me considerava puta e essas coisas nunca tinham me passado pela cabeça, to vendo que puta eu sou agora. Mas de que adianta, agora?! Ah, desgraça esse tempo, não passa nunca e minha senha nada.
Puta, puta mesmo eu nunca fui, mas na minha época, piscar pra rapaz já era putaria, fui chamada de puta pela minha mãe sem nunca ter trepado, desde novinha já me chamavam de puta na família. Primeiro fiquei triste, mas depois eu descobri as vantagens do apelido. Agora eu me intitulo sem nunca nem ter tido outro homem além do Cesar, criei dois filhos, mas se tenho peito sou puta! Vai entender?!
Chamaram minha senha, finalmente.
O gerente, mal olha pra mim, tá vidrado na tela do computador, pediu meu CPF, mostrei o papel pra ele porque nunca fui boa de decorar números. Ele agora tá engasgando com meu nome e eu já repeti três vezes Silvia Salsa Silva, maldito dia que minha mãe escolheu o nome de Silvia, já não bastava os outros ésses do nome? Se minha mãe fosse viva eu juro que matava aquela vadia. Primeiro me encheu de S, depois me apelidou de puta, e eu carrego tudo até hoje. O cachão é o lugar dela, velha desgraçada. Quando eu morrer não quero que me enterrem perto dela. Já avisei a Paulinha e o Ricardo, lá na Vila Mariana eu não quero ser enterrada, se puderem me enterrem em Curitiba, porque eu mereço cidade boa, me enterrem e nem precisa ir lá me visitar, até porque não vou poder conversar com vocês, não que eu goste de conversar, odeio interagir, mas viajar de Santa Catarina até o Paraná e nem bater um papinho, me enterra lá e me esquece por lá.
A Paulinha chora, sempre foi chorona. Maldito dia que tive essa pirralha, não cresceu nunca. O Ricardo não tá nem aí, ele quer é meu apartamento o desgraçado, puxou ao pai. Garanto que vai ter os filhos e deixar por aí.
- É Silvia Salsa Silva.
quarta-feira, 2 de julho de 2014
terça-feira, 1 de julho de 2014
Saudade
A poesia morreu
declinou em minha memória
A poesia não vem
bateu a porta na minha cara
Ah, poesia desgraçada!
nem quando mais preciso te disfarças
Se eu pudesse eu te escreveria
Te mastigaria e te engoliria
E então te sentiria
te deglutiria e te expulsaria.
A poesia foi embora
não deixou nem endereço de chegada
Ah, poesia desgraçada!
declinou em minha memória
A poesia não vem
bateu a porta na minha cara
Ah, poesia desgraçada!
nem quando mais preciso te disfarças
Se eu pudesse eu te escreveria
Te mastigaria e te engoliria
E então te sentiria
te deglutiria e te expulsaria.
A poesia foi embora
não deixou nem endereço de chegada
Ah, poesia desgraçada!
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