terça-feira, 9 de outubro de 2012

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Brecht - A infanticida Maria Farrar

Maria Farrar, nascida em abril,
sem sinais particulares
menor de idade, órfã, raquítica,
ao que parece matou um menino
da maneira que se segue.
Sentindo-se sem culpa
afirma que, grávida de 2 meses,
no porão de uma dona
tentou abortar com duas injeções
dolorosas, diz ela,
mas sem resultado.
E bebeu pimenta em pó
com álcool, mas o efeito
foi apenas de purgante.
Mas vós, por favor, não deveis
vos indignar.
Toda criatura precisa da ajuda dos outros.

Seu ventre agora inchara a olhos vistos,
e ela própria, criança, ainda crescida.
E lhe veio a tal tonteira no meio das matinas
e suou também de angústia aos pés do altar.
Mas conservou secreto o estado em que se achava
até que as dores do parto lhe chamaram.
Então, tinha acontecido, também a ela!,
assim, feiosa, cair a tentação.
Mas vós, por favor, não deveis vos indignar,
toda criatura precisa da ajuda dos outros.
Naquele dia, disse, logo pela manhã,
ao lavar as escadas, sentiu uma pontada
como de alfinetadas na barriga.
Mas ainda consegue ocultar sua moléstia.
E o dia inteiro estendendo paninhos, buscava soluções.
Depois lhe vem à mente que tem de dar à luz e, imediato,
sente um aperto no coração. Chegou em casa tarde.
Mas vós, por favor, não vos indigneis,
toda criatura precisa da ajuda dos outros.
Chamaram-na enquanto ainda dormia,
tinha caído neve, e havia que varrê-la.
Às 11 terminou. Um dia bem comprido.
Somente à noite pôde parir em paz.
E deu à luz, ao que disse, um filho.
O filho se parecia a tudo quanto é filho
mas ela não era como as outras mães.
Mas vós, por favor, não vos indigneis
Toda criatura precisa da ajuda dos outros.
Com as últimas forças, ela disse, prosseguindo,
dado que no seu quarto o frio era mortal,
se arrastou até a privada, e ali,
quando, não mais se lembra
pariu como pôde quase ao amanhecer.
Narra que a esta altura estava transtornadíssima,
e meio endurecida, e que o garoto o segurava a custo,
pois que nevava dentro da latrina.
Entre o quarto e a privada
o menino prorrompeu em prantos,
e isso a perturbou de tal maneira, ela disse,
que se pôs a socá-lo
às segas, tanto, sem cessar,
até que ele deixasse de chorar
Depois conservou o morto no leito junto dela
até o fim da noite.
E de manhã, escondeu-o então no lavatório.
Mas vós, por favor, não deveis vos indignar,
toda criatura precisa da ajuda dos outros.
Maria Farrar, nascida em abril,
morta no cárcere de Moissen,
Garota-mãe, condenada,
quer mostrar a todos o quanto somos frágeis.
Vós que paris em leito confortáveis,
e que chamais bendito o vosso ventre inchado,
não deveis execrar os fracos e desamparados.
Por obséquio, pois, nãos vos indigneis.
Toda criatura precisa da ajuda dos outros.
"Outro problema sério, quando se pinta Adão, é saber se ele tinha ou não barba. Nas pinturas clássicas, ele, em geral, não tem barba quando está no Paraíso e tem barba quando já saiu do Paraíso. A conclusão: O castigo por ter comido  maçã foi fazer a barba por toda manhã" (Millôr em O Homem do Princípio ao Fim)


sábado, 23 de junho de 2012

Página em branco

Ela andou até a esquina e estacionou na parte escura da rua. A música do rádio lhe tocou a alma e então gotas escorreram de seus olhos, ficou assim até atingir os prantos.

Quando a lágrima tocou sua boca pode sentir o gosto tão comum de soro. Aquele era o seu remédio. 

Estava tudo tão forte que chegou a pensar que seus olhos nunca mais enxergariam. Justamente no momento em que se deu conta do mundo real. Ali onde se tornou nítida a sua percepção do real também poderia ser a sua morte, o fim por não enxergar.

Vieram os soluços e o medo, o desejo de voltar causava tristeza. Um mundo havia sido descoberto e não havia mais cobertores para lhe abafar.

Depois disso entendeu o porquê de tantas declarações. Compreendeu o seu tamanho e teve que acreditar, não se sabe porque, que a dor passaria. Talvez tal crença evitasse a morte, ou melhor, o suicídio.

Quantas dores um ser humano aguenta? Nunca se encontrou a medida em nenhuma ciência. Justamente por SER humano, vai além das medidas e das receitas.

Quantas lágrimas ainda sairão, quanto aguentaria chorar. Acreditaria que pode acabar? A dúvida do futuro é a angustia no presente. A despedida do passado é tristeza pelo luto.

Assim morreu em vida, pra poder nascer novamente.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

sábado, 24 de março de 2012

certa vez eu li: "nas horas medonhas só!"

por mais que eu grite: me cuide! Não vai ter resultados, porque eu grito para o meu passado.

a dor de ter sido

não se resolve

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Luto

O coração esta em nó

Não porque meu eu, hoje, caminha.

o veneno do tempo, foi ingerido

e meu eu, passado, suicidou-se.
quando acorda, inspira consciente o ar úmido e quente que contorna seu corpo

a casa vazia, ninguém para preparar o almoço

mimos não são trocados

a pintura da solidão.