quarta-feira, 25 de junho de 2014

Poesia

Poesia: Fernando Naporano

ilus


O silêncio do ar 
parece rachar
o abandono
dos meus sentimentos

A cabeça conclusivamente vazia
ilha de fel feliz
resignada
sem soluções
sem as cercas dos dias

O olhar ao nível da terra
plenitude roxa
a arder de esquecimento
Nada ao lado de nada
é a pedra
a rigidez da sua lava
que afasta
quem contempla o rosto

•••

Luz eneblinada
quase faz com que o ar
se recolha dentro de si
Claridade insuspeita
egressa do cinza
rima hermética
inerte
num facho de sol

Minúsculo calor opaco
partículas de frágil resistência
onde a alma de pedra
boia
fita a neutralidade
de todas as coisas

e se apoia

ilus2










•••

Propago-me lento
cada vez mais lento
além lesma
no silêncio da grama

A sabedoria do vazio
instala sua cama
na minha altura

Medito sobre as dissipações
sei da nudez sem rastros
das nuvens paradas
que ajudam o tempo
não passar entre os dedos


Fernando Naporano

terça-feira, 24 de junho de 2014

Reencontrando Dostoévski

Ontem estava muito ansiosa e para variar não conseguia dormir. Estou sempre cheia de tarefas, fazer mestrado é uma experiência única de produtivismo e falta de relação.
Então, estava eu entregue a esse cenário e com a ansiedade saindo por todos os poros, estava pensando nos prazos, no medo de perder a bolsa, no medo de não conseguir terminar e na difícil tarefa de criar algo que tem que ser sempre referenciado, caso contrário não possui valor científico.

Me lembro até hoje, quando falei para um grande amigo meu que eu havia passado no mestrado, por sinal o mesmo mestrado que ele tinha feito. Sabem o que ele me disse? Ele disse assim: "bom Marcelinha, serei o teu consultor para assuntos inúteis".

Hoje compreendo o que ele me falou, hoje vejo que as coisas, infelizmente, não possuem muito sentido por aqui. Tenho buscado muitos sentidos, e até encontro explicações racionais para meu momento de vida. Mas se eu pensar no sentido que gosto, o sentido que vem das relações e a compreensão dela, enfim, tudo o mais se torna assunto inútil. Tal qual meu amigo me alertou.

Pode parecer deprimente a minha forma de escrever, mas na verdade hoje lido com a realidade e sei os benefícios de passar pelo processo que estou vivendo. Isso é o que me consola.

Agora você pode estar pensando, mas o que Dostoévski tem a ver com isso?

Eu retorno àquele momento de ansiedade saindo pelos poros.
Estava eu, querendo dormir e sem conseguir e eis que penso: "Iniciei a leitura dos Irmãos Karamazov, e o produtivismo acadêmico fez com que eu me afastasse da leitura. Faz um mês que não leio nenhuma página do livro e estou louca para saber o que aconteceu com a família Karamazov após o encontro com o Mestre".

Não preciso dizer né?! Fui lá e peguei o livro novamente. Ainda não descobri o que aconteceu com a família, meu sono chegou antes. Mas nossa, Dostoévski sempre me fez bem! Me desliguei de tudo, me entreguei ao enredo, e por muitos momentos tive ódio/raiva de Fiodor, o pai dos irmãos Karamazov.
Ah, Dostoévski, como eu queria ter tempo para lhe ler mais. Ah, como é bom fazer o que se gosta, mesmo que não se tenha mais tempo (vida) para isso.

Abraço

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Encontro

Eram 10h, da madrugada, nosso encontro estava marcado. Aqueles encontros com hora de início e hora de fim.
Mas assim? E isso pode ser encontro?
Sim.
Eram 10h, e ela chegou, ela me olhou como nunca alguém olhou.
Ela me respeitou e não me viu com penar.
Ela entendeu que eu sou uma história e isso bastou.
Eram 10h30 e demos muitas gargalhadas,
gargalhadas que só acontecem nos encontros de verdade.
A gargalhada dela era a minha e a minha era a dela.
Esse foi o nosso encontro.